terça-feira, 29 de março de 2011

" O Burro"

No tempo em que não havia automóveis, na cachoeira de um famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias dos companheiros de apartamento. Reparando-lhe o pêlo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse, orgulhoso:

_ Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição em corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis!

_ Pudera! - exclamou um potro de fina origem inglesa _ Como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça?


O infortunado animal recebia sarcasmos, resignadamente.


Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou:


_ Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos do brutos amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia.


Nisto, adimirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentou sem piedade:


_ Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil, não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas se me constragem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar.


As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalariças.


_Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade - informou o monarca - um animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança.


O empregado perguntou:


_ Não prefere o árabe, majestade?


_Não, não _ falou soberano- é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância.


_Não quer o potro inglês?


_ De modo algum. É muito irriquieto e não vai além das extravagâncias da caça.


_Não deseja o húngaro?


_Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.


_ O jumento espanhol serviria? - insistiu o servidor atencioso.


_ De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança.


Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:


_ Onde está meu burro de carga?


O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais. O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua casa e confiou-lhe o filho ainda criança, para longa viagem. E ficou tranquilo, sabendo que poderia colocar toda a sua confiança naquele animal.


Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a servir, sem prensar em si mesmos.



( texto extraído)

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